31/07/08

A POESIA TAMBÉM VAI A BANHOS


José Tolentino Mendonça será o poeta convidado das "Quintas de Leitura" no mês de Outubro (dia 23).
Recordamos aqui, antes das merecidas férias, o poema que dá nome à sessão.

A NOITE ABRE MEUS OLHOS

Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado

Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes

A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta

o amor é uma noite a que se chega só

(in "A noite abre meus olhos"- poesia reunida / Assírio & Alvim)
(fotografia de Pat)

30/07/08

MESA

A mesa tem uma qualidade: não deixa cair as coisas.
Não interfere no mundo: a mesa recebe, ampara.
Não julga, não dá instruções excessivas.
Recebe,
ampara,
não deixa cair.
Sobre ela as coisas claras permanecem claras, e não caem.
As escuras permanecem escuras, e não caem.

(Gonçalo M. Tavares in "1"/ Relógio D' Água)

29/07/08

UM DENTISTA

Conheci num poema de Auden
um dentista reformado que se pôs a pintar montanhas.
Pintou trinta e três montanhas como os pintores de parede
pintam trinta e três paredes. Depois parou, limpou o suor da testa,
pediu um copo de vinho e uma mulher, e despiu-se, embriagado,
fazendo sexo como um dentista
e não como um pintor de montanhas.
E se pensas que uma e outra forma de tocar numa mulher
são idênticas, então deves ler mais poesia.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/Relógio D' Água)

28/07/08



A imagem da sessão dedicada à Poesia de José Tolentino Mendonça é da autoria de Ilda David' .

(Paisagem da ilha da Madeira)

DEPOIS DE FÉRIAS

Relembramos aqui as próximas sessões do ciclo "Quintas de Leitura", todas depois de férias:

25 de Setembro
"A Literatura e o Reino - conferência por Gonçalo M. Tavares"

Participam:
Gonçalo M. Tavares (poeta convidado)
Bernardo Sassetti e Alexandre Soares (músicos convidados)

23 de Outubro
"A noite abre meus olhos"

Participam:
José Tolentino Mendonça (poeta convidado)
Aldina Duarte (fado)
Sónia Baptista (performance)

20 de Novembro
" -Irene! Irene!
Sirva o leite-creme"

Poesia de entretenimento científico.
O encontro histórico entre os dois únicos colectivos poéticos do mundo aprovados, vacinados e carimbados pela Asae: O COPO (Lisboa) e a CAIXA GERAL DE DESPOJOS (Porto-Nova Iorque-Arraiolos). Um momento poético com sabor a anchovas de Mirandela e endívias à Previdência, onde não faltarão textículos salteados de Adília Lopes, Alberto Pimenta e Daniel Maia-Pinto Rodrigues.

TCA: um teatro ao serviço do SONHO.

O DINHEIRO

Se dois biliões caírem no terraço
de duas crianças estúpidas
serão transformados em papéis pequenos e inúteis,
soldados de uma qualquer batalha infantil. Daí a importância
dos Bancos e do modo exaustivo como desenvolvem
o mapa do comércio e da chantagem. O dinheiro
deve cair sempre nas mãos de quem conhece os seus segredos,
porque não se trata, lá está, de uma brincadeira de crianças.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/Relógio D' Água)

25/07/08

O VERÃO

Quanto ao Verão: esse período nefasto e quente
Não apresenta qualquer talento para a chuva, diga-se.
Como o mudo que se concentra excessivamente
Para proferir um assobio magrinho
E acaba por tropeçar de maneira desastrada,
Caindo de uma altura
Desagradável,
E falecendo. O Verão, de facto,
Seria insuportável, não fosse
O futuro e a cerveja.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D' Água)

24/07/08

MAR

Não te espantes com máquinas,
com invenções de última hora.
Inacreditável é a quantidade de elementos
que ainda não obedecem aos homens.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D'Água)

23/07/08

FÓSFORO

Se acendes um fósforo durante o dia
para ver,
significa que não há janelas nem electricidade,
nem sequer sol.
Ou então significa que és louco.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D'Água)

22/07/08

POEMA RARO

Se o poema raro, não publicado,
se encontrasse escrito nos lençóis da maca,
debaixo das costas do moribundo,
o intelectual, informado de tal facto,
não hesitaria um segundo.
Empurraria o moribundo, se possível ligeiramente para o lado,
se necessário para o chão,
e com uma caneta entre os dedos,
copiaria para o seu caderno preto
a preciosidade finalmente descoberta.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/Relógio D' Água)

Allegro ainda...



Entrevista à Poeta Catarina Nunes de Almeida pela Poeta e jornalista Filipa Leal. Fotografias de Pat. (para ler clicar sobre as imagens).

21/07/08

A PROVA NA POESIA

Queres acreditar?
Nenhuma garantia basta.
Por exemplo: não há narrativas
que levem a prescindir
da proximidade do mar.
O mar é material: exige a tua presença.
Também assim com a poesia.
Como um peregrino:
vai rápido ver o verso.

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D'Água)

18/07/08

A POESIA DE GONÇALO M. TAVARES

O AMOR

A Natureza tem uma entrada por trás
como os clubes clandestinos;
e o coração, mesmo apaixonado, não é tão estúpido
como uma galinha, por exemplo,
que é capaz de seguir durante horas
uma linha traçada a giz no chão.

(in "1", editora Relógio D'Água)

17/07/08

Bife Picado fora de horas

O duo Bitahkiz Ayeli: Thollem Macdonas (piano) e Germaul Barnes (dança)

A peça Ícones da autoria de Victor Hugo Pontes


LUPA em Vénus. Estreia absoluta.


Actuação do colectivo poético Caixa Geral de Despojos.

Tiago Bettencourt (solo)

Mafalda Capela faz aqui o rescaldo fotográfico deste memorável recital.

OS AVIÕES

Lembro-me: não gostava de aviões.
Companheiros de jogo levantavam dedo e cabeça
Em direcção às bem organizadas nuvens de passageiros
E eu permanecia de rosto baixo como excluído
De uma brincadeira de que desconhecia o alfabeto.
Nunca me diverti com o excesso, ainda hoje
Tenho vergonha de certos ruídos,
Dizem-me que baixo muito a cabeça;
Como uma vaca que olha para a erva. E é verdade.
Por vezes tenho vergonha de ver, muitas vezes vergonha
De ser visto.

Gonçalo M. Tavares em "1" ( editora relógio d' água)

Gonçalo M. Tavares será o próximo convidado do ciclo "Quintas de Leitura". Nos próximos dias publicaremos neste blogue alguns dos seus poemas.

15/07/08

AS PRÓXIMAS SESSÕES

Estamos quase de férias. Divulgamos, hoje, em primeira mão, as duas próximas "Quintas de Leitura".

Dia 25 de Setembro
A Literatura e o Reino - conferência por Gonçalo M. Tavares

participam ainda:

Bernardo Sassetti (piano solo)
Susana Menezes, Pedro Lamares, Paulo Campos dos Reis e Isaque Ferreira (leituras)
Alexandre Soares (guitarra)
Rachel Caiano (imagem)

Dia 23 de Outubro
A Noite Abre Meus Olhos

participam:

José Tolentino Mendonça (poeta convidado)
Aldina Duarte (fado)
Sónia Baptista (performance)
Filipa Leal, Pedro Lamares e Paulo Campos dos Reis (leituras)
Ilda David' (imagem)

O Teatro do Campo Alegre ao serviço do SONHO.

09/07/08

AS ESTRELAS CHAMAM-SE UMAS ÀS OUTRAS PELOS NOMES PRÓPRIOS

Amanhã há mais estrelas na Rua das Estrelas.
Por ordem de entrada em órbita:

Catarina Nunes de Almeida

Marta Bernardes

Filipa Leal

Maria Bleck Soares

Susana Menezes

Pedro Lamares

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

Tó Trips

Pedro Gonçalves

Ana Deus

Alexandre Soares

-Junte-se a nós e seja a estrela principal desta noite fulgente.

O "DIÁRIO" DE CATARINA

As ondas rebentaram na saia
muito perto da estrada de pó.
O teu corpo por escrito em cima da mesa:
«Pégaso trocou as asas pelo peso de uma mulher».

Fomos recebendo o dia como se ele fosse
as margens e a sombra e nós
o caudal lento entre pernas da terra.
Cada gota um meio. Nem princípio nem fim.

E o dia chegou nu sem penas nem pêlos
igual aos animais alados cobertos
pelo peso de uma mulher.

(in "Prefloração", Quasi Edições, Catarina Nunes de Almeida)

Na revista FOCUS de hoje.

08/07/08

A POESIA DE CATARINA NUNES DE ALMEIDA

FUSÃO

I
Quando as amoras estão maduras
a menstruação corre no vale
vinda do teu lado. A noite é uma ponte
deitada sobre as margens da cintura:
lugares de xisto onde repousam
sombras de animais.

II
Por vezes os seios crescem-me no teu peito.
Os dias vêm quando vêm os teus lábios
maçã que mordo entre as pernas.
Todo o nosso corpo é flor mútua
escultura que brotou do mesmo chão
imperfeita.

(in "Preflorações", Quasi Edições)

No suplemento Das Artes e das Letras - jornal O Primeiro de Janeiro de ontem.
Aqui edição on-line.

07/07/08

AS "FÁBULAS" DE CATARINA NUNES DE ALMEIDA

Ainda uma palavra no labirinto ainda
a carne crua na boca dos centauros;
são assim as fábulas: os bandos partem
e os flamingos esperam,
as patas esmagando as penas que ficaram.
Depois são as asas que poisam no dorso de outros animais
são os campos que germinam nas entranhas das sementes
e a terra que não morre de parto
ainda que as flores nasçam siamesas.

(in "Preflorações", Quasi Edições)

04/07/08

A PROSTITUTA DA RUA DA GLÓRIA

Tanges a noite sem saber que a noite
é uma cítara com cordas de ferro
onde os insectos ferem as asas.
O teu canto arranha o azul da chama
e a cidade desperta para a dança:
um labirinto de minotauros
sorvendo o odor do primeiro tango -
um ténue resquício de feno escondido na nuca.

Ainda ontem foi lua cheia no teu ventre.
Sobrou um aquário onde os cegos vêm depenicar
a caspa dos pombos.
Hoje não saias, deixa-te ficar.

Pelos corredores as fêmeas largam o pó
das florestas quentes -
ténues resquícios de feno escondidos na nuca.

Hoje não saias, deixa-te ficar.
Deixa dormir o teu sexo cansado de morrer.

(in "Preflorações", Catarina Nunes de Almeida)

03/07/08

"PREFLORAÇÃO" de CATARINA NUNES DE ALMEIDA

Prosseguimos hoje a divulgação de alguns poemas de Catarina Nunes de Almeida, a próxima convidada das "Quintas de Leitura".

HÍMEN

Desenho as palavras no lento desabraço das nossa pernas.
Esta noite compreendi que o meu corpo é leve
onde o teu estremece
que o teu nome acaba nas entranhas
onde o cheiro tem o meu nome
e queima.

CERES

Soubeste esperar por mim
embalada na carne o teu hálito
no meu hálito
alimentando os deuses
e as raízes que sustêm as almas.
Havia já um poema encravado no caule
duas notas da sinfonia
escorrendo para os beiços da terra.
Escavei-te e bebi
do teu incêndio
o meu incêndio
e nasci.

TODAS AS SERPENTES

Se me engasgar com o teu sangue
algum dia a minha língua será uma pétala?

Apenas um lago onde a terra derrama
todas as serpentes.

02/07/08

20.000 PÁGINAS VISITADAS DO NOSSO BLOGUE

A todos os que continuam a acreditar que o Sonho e a Poesia são os motores da História, dedicamos este poema da "novíssima" Catarina Nunes de Almeida, a próxima convidada das "Quintas de Leitura":

ÚLTIMA SENTENÇA

Os meus cabelos morreram
abraçados às aves.
Entornei-lhes os meus seios
para que vivam de sede.

(in "Prefloração", Quasi Edições)

01/07/08

CATARINA NUNES DE ALMEIDA, A NOSSA PRÓXIMA CONVIDADA

CRUCIAL

Meio-dia na boca.
Um só toque entre mim
e o poema:
tanto porém o sangue
da primeira vez.

(in "Prefloração, Edições Quasi)